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Atirador de Campinas se sentia perseguido e cita massacre de Realengo em diário

Euler Fernando Grandolpho vivia recluso, tinha as despesas pagas pelo pai, reclamava de vizinhos e teria mania de perseguição

Euler Fernando Grandolpho
Euler Fernando Grandolpho -

Campinas - O homem que matou cinco pessoas e se suicidou na Catedral de Campinas na terça-feira sentia-se perseguido e chegava a anotar placas de carros em um diário que foi localizado pela polícia. Entre as anotações, Euler Fernando Grandopho, 49 anos, cita a chacina em uma casa de shows em Fortaleza, em janeiro deste ano, que teve 14 mortos, e a de Realengo, em 2011, quando 12 crianças morreram e 11 ficaram feridas em uma escola.

Os investigadores ainda não descobriram o que levou Euler a cometer o crime. Segundo a família, ele havia procurado tratamento para depressão. Os parentes temiam que ele cometesse suicídio.

Grandolpho morava com um pai em um condomínio de alto padrão em Valinhos, cidade vizinha à Campinas. A reportagem esteve no local na tarde desta quarta-feira, mas um segurança informou que os parentes haviam deixado o local desde a noite anterior, após a repercussão do caso.

 

No dia do crime, policiais fizeram apreensões na casa e conversaram informalmente com o pai e uma irmã de Grandolpho - os depoimentos devem ser colhidos nesta quinta-feira, na delegacia. Entre os materiais, investigadores recolheram o celular, um notebook e um bloquinho de anotações do atirador.

Perseguição

Em um dos papeis, o atirador escreveu: "Passei com meu cão em frente uma construção ao lado da casa que os moradores têm uma veterinária e uma delas gritou com 'as paredes': 'E aí Ceará', sobre o massacre ocorrido dias atrás. Hoje, 31/01/18, passei por lá e falei alto com o celular desligado na orelha: E aí Realengo'".

Em outra folha, Grandolpho diz que "os viados" estariam "ouvindo minha casa" e o perseguindo há mais de dez anos. "No começo cometiam crimes com a maior naturalidade. Agora estão em pânico, espalharam pela cidade o q está está preste a acontecer, etc. Meu Deus!", registrou, sem data.

Segundo o delegado José Henrique Ventura, titular da Deinter (Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior) de Campinas, os escritos vão passar por uma análise. "Uma primeira avaliação indica que as anotações são desconexas. Por enquanto, não há nada que possa indicar o motivo do ataque", disse.

CNH de Euler - Divulgação / Polícia Civil

Ligações

No celular do atirador, policiais só encontraram ligações para números locais, mas nenhuma para o exterior - o que serviria para descartar a participação de algum grupo extremista no ataque. A maioria das discagens, no entanto, era para o 190, da Polícia Militar. "Ele ligava para reclamar de barulho dos vizinhos", disse o delegado Hamilton Caviola, do 1° DP de Campinas, responsável pelo inquérito.

Segundo a polícia, as informações coletadas indicam que Grandolpho seria "solitário", "introspectivo" e teria mania de perseguição. Desde 2008, ele registrou uma série de boletins de ocorrência. Em alguns casos, dizia ter sido seguido por automóveis e anotava a placa dos carros. Em outro, disse que uma pessoa desconhecida havia tentado derrubá-lo da bicicleta atirando contra ele uma garrafa pet.

"Ele teve uma vida um tanto reclusa. Ficava muito tempo recolhido, saía pouco, e não tinha muitas relações com amigos ou namorada", afirmou Ventura. Em seu perfil no Facebook, havia apenas oito amigos adicionados. Todas as testemunha do ataque ouvidas pela polícia afirmaram nunca terem visto Grandolpho antes.

O corpo de uma das vítimas do atirador é retirado da igreja - Ari Ferreira / AFP

Depressão

Os parentes eram impedidos de entrar no quarto dele, segundo as investigações. Sem emprego desde 2014, quando pediu exoneração do Ministério Público, em que trabalhava como auxiliar de promotoria na comarca de Carapicuíba, Grandolpho vivia com o dinheiro do pai. "O dinheiro fica na conta do pai, que ia abastecendo o filho conforme a necessidade", disse o delegado do Deinter.

A polícia investiga, ainda, se Grandolpho cometeu o atentado após alguma crise psicótica. Para investigadores, familiares teriam afirmado que Grandolpho apresentaria quadro de depressão e já teria passado por CAPs. "Não sabemos ainda se foi para uma consulta ou para tratamento".

Imagens das câmeras de segurança do interior da catedral mostraram o crime - Ari Ferreira / AFP

Velório

O corpo de Grandolpho foi sepultado às pressas na tarde desta quarta, no Cemitério Flamboyant. Na portaria, seguranças impediam a entrada de curiosos. Uma viatura da guarda municipal também ficou na porta para evitar tumultos.

Entre velório e enterro, a cerimônia durou cerca de 20 minutos e familiares mais próximos saíram sem falar. "Todos foram pegos de surpresa", disse uma tia, que preferiu não se identificar.

Segundo a família, Grandolpho seria um "menino bom", mas ficou mais retraído depois da morte de familiares próximos. Em abril, um irmão foi vítima de leucemia. Antes, ele também perdeu a mãe: o aniversário de morte é no próximo sábado dia 15, de acordo com parentes.

Euler Fernando Grandolpho Arquivo Pessoal
CNH de Euler Divulgação / Polícia Civil
O corpo de uma das vítimas do atirador é retirado da igreja Ari Ferreira / AFP
Imagens das câmeras de segurança do interior da catedral mostraram o crime Ari Ferreira / AFP