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Volta do 'caveirão voador' preocupa moradores das favelas

Líderes comunitários lamentam liberação do uso dos helicópteros nas operações policiais do Rio

O helicóptero da Polícia Civil
O helicóptero da Polícia Civil -
A decisão da Justiça de liberar o uso de helicópteros nas operações policias do Rio tem preocupado os moradores das favelas do estado. Na última sexta-feira, a desembargadora Inês da Trindade Chaves de Melo, da 6ª Câmara Cível, atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral do Estado para que as aeronaves pudessem voltar a sobrevoar as regiões.
O uso dos chamados "caveirões voador" estava proibido desde agosto do ano passado, quando o STF formou maioria para impor mudanças na segurança pública do Rio. Líderes comunitários de várias favelas, no entanto, receberam a notícia da volta dos helicópteros com preocupação.
"A gente luta contra esses aparatos bélicos dentro das favelas. Tivemos jovens que estavam distribuindo cestas básicas na Cidade de Deus que foram metralhadosjovem da Providência que levou tiro na favela e também estava distribuindo cesta", lamenta Gizele Martins, jornalista e mobilizadora da Frente de Mobilização da Maré.
Gizele Martins é jornalista e mobilizadora da Frente de Mobilização da Maré - Arquivo Pessoal
A principal queixa dos moradores das favelas por causa do uso dos helicópteros é que muitas vezes eles sobrevoam escolas, deixando estudantes e professores apreensivos. Um levantamento da Redes da Maré revelou que os cerca de 15 mil alunos do conjunto de favelas da Zona Norte do Rio ficaram 24 dias sem aulas em 2019 por causa das operações policiais feitas naquele ano, o que representa 12% dos dias letivos perdidos.
"Existe hoje uma política de segurança que criminaliza, que vê a favela, a juventude negra, como inimiga da sociedade. Quando eles (os policiais) invadem a favela é sempre desmerecendo qualquer coisa que a gente tenha nesse território. É uma ação de criminalização, de intolerância e eles se comportam diferente de como agem no asfalto", avalia Gizele.
ALEMÃO
O vice-presidente da Federação Municipal das Associações Favelas, Marcos Valério Alves, também critica a política de segurança implementada nas comunidades do estado. Para ele, falta diálogo entre as autoridades e os moradores.
"Antigamente, havia reuniões comunitárias com os comandantes dos batalhões. Eles faziam uma aproximação e um diálogo com as lideranças comunitárias. Mas com a chegada das UPPs isso mudou bastante. Passou a ter reunião esporadicamente, com eles usando mais o enfrentamento do que o diálogo", afirma Marcos, que também é presidente da Associação de Moradores da Nova Brasília, no Complexo do Alemão.
Marcos Valério Alves é vice-presidente da Federação Municipal das Associações Favelas e presidente da Associação de Moradores da Nova Brasília - Arquivo Pessoal
O líder comunitário disse que recebeu "da pior maneira possível" a notícia da volta das aeronaves nas operações policiais. Ele também se preocupa com os estudantes, que estão prestes a voltar às aulas presenciais.
"Vai começar o ano letivo, as coisas começam a voltar ao normal, as crianças começam a voltar para a escola e eles querem colocar helicóptero na rua novamente. O que dá para entender é isso", conclui.
CIDADE DE DEUS
Cria da Cidade de Deus e fundadora do projeto Ligação Cultural, que garante atividades de lazer aos moradores da comunidade da Zona Oeste, Samantha Messiades lembra de um episódio em que ela e os filhos por pouco não foram atingidos por tiros dados pelo "caveirão voador".
"Normalmente de manhã, eu saía para levar meus filhos para a escola. Nesse dia, eu os coloquei na condução e em questão de cinco minutos o helicóptero começou a dar tiros exatamente aonde eu estava parada com eles", conta a educadora.
Samantha Messiades é criadora do projeto Ligação Cultural, na Cidade de Deus - Ligação Cultural / Divulgação
Samantha também fala de uma reunião que teve no seu projeto no início da semana, quando se surpreendeu ao ver um grupo de roda de rap fazendo apresentações na comunidade. Ela se assustou, na verdade, com o que ouviu deles.
"Eles falaram que pela primeira vez conseguiram fazer 44 rodas de rap consecutivas semanalmente sem que fossem parados por causa de operações policiais. São números muito gritantes, que têm dentro da nossa realidade", a ativista defende.
ROCINHA
Embora esteja localizada na Zona Sul da capital, um território que é tido como "privilegiado" pelas polícias, a Rocinha também passa pelos mesmos problemas quando o assunto é o uso do helicóptero nas operações. Mobilizador do projeto Brigadas Populares, Maurício Peres lamenta a tensão vivida pelos moradores por causa do "caveirão voador".
"Você acorda e sai para trabalhar 5h e tem helicóptero voando, dando rasante na janela da sua casa. Você já não sai, fica com medo, principalmente nas partes mais altas da comunidade. Você já sente logo a vibração, falta derrubar a janela, o terror é ainda maior. Não são só os tiros, são aqueles rasantes, passando bem perto. Estremece tudo", avisa.
Maurício Peres é Mobilizador do projeto Brigadas Populares, na Rocinha - Arquivo Pessoal
O ativista defende uma política de segurança nas favelas baseada em prevenção. Ele acredita que a difusão da cultura, da educação e do esporte podem dar muitas oportunidades para quem que pensa em confrontar a polícia.
"Tem gente que acha que a grande maioria dos moradores das favelas é traficante, mas não é não. A grande maioria é trabalhador, estudante, que acorda de madrugada, no horário que o helicóptero vem e que começa a operação policial", defende Maurício.
O helicóptero da Polícia Civil Daniel Castelo Branco / Agência O DIA
Gizele Martins é jornalista e mobilizadora da Frente de Mobilização da Maré Arquivo Pessoal
Marcos Valério Alves é vice-presidente da Federação Municipal das Associações Favelas e presidente da Associação de Moradores da Nova Brasília Arquivo Pessoal
Samantha Messiades é criadora do projeto Ligação Cultural, na Cidade de Deus Ligação Cultural / Divulgação
Maurício Peres é Mobilizador do projeto Brigadas Populares, na Rocinha Arquivo Pessoal

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