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Uma quadra de futebol que retrata o Brasil

Greg mora no alto da Rua Cardoso Júnior, em Laranjeiras, em frente a uma praça que possui uma quadra de esportes. Um dia ele teve uma ideia: dar aulas gratuitas para estudantes de escolas públicas e privadas, ajudando a unir a cidade partida do Rio de Janeiro. Assim nasceu o Instituto Transformação, do qual sou um dos orgulhosos apoiadores. Hoje, jovens e crianças praticam futebol, vôlei, ioga, judô e teatro. Também recebem aulas de reforço escolar, dadas por voluntários. Rodrigo, meu filho, tem 7 anos e é lá que está aprendendo os fundamentos do futebol. Quer ser goleiro. As turmas são mistas, com meninos e meninas de todas as classes sociais convivendo em harmonia. Isso é o que se chama empreendedorismo social, fazer pelos outros o que se pode fazer só para si mesmo. Mas esta atitude linda está ameaçada e corre o risco de acabar.

A quadra é disputada por moradores com interesses financeiros e outros piores ainda. Eles sempre alugaram a quadra para eventos, mesmo não sendo os donos de verdade. Outros preferem fumar maconha na praça e não querem ser atrapalhados pelas crianças. Já vinham ameaçando o Greg. Dias atrás, ele conseguiu a concessão da quadra na Fundação Parques e Jardins. Foi a gota d'água. Três moradores, conhecidos de todos na área, deram uma surra no presidente do Instituto às 5 horas da tarde, quando ele ia buscar o filho na creche. Foi em frente ao único bar da rua. Uma covardia que o levou ao hospital, deixou cicatrizes e, pior, fez com que ele tenha medo de ir à rua, pois os agressores continuam lá. Greg é pai solteiro e tem dois filhos pequenos para criar. Ele deu queixa na polícia, fez exames para comprovar a agressão, mas adivinhe: nada foi feito.

Veja, não são traficantes, bandidos sérios — aqueles de quem até a polícia tem medo, com armamentos pesados e domínio explícito das comunidades. Não, são só uns valentões que agem nas sombras e querem ganhar a praça no grito. Mesmo assim a polícia não agiu e não lhe deu proteção nenhuma. Ah, tem uma batalhão a 50 metros da porta do bar onde Greg foi agredido. Mas este batalhão, com seus PMs fardados e bem equipados, só serve à segurança do Palácio Guanabara. Não atende à população. É assim no Rio de Janeiro, cada um que se vire.

E agora? Boa pergunta. Greg usou uma metáfora do jogo de xadrez para explicar sua estratégia. No xadrez, a peça mais importante é o rei, mas ele é frágil se estiver sozinho. Menos importantes, outras peças como rainha, bispos e cavalos devem lhe proteger. Sem a proteção e apoio da comunidade, Greg não é ninguém. É um rei acuado e derrotado. Pois bem, ele vai fazer o roque — quando o rei se protege atrás da torre e dos peões. Ou seja, Greg vai deixar sua casa, onde não se sente mais seguro, e se mudar. Mas isso não quer dizer que o Instituto Transformação vá acabar. Isso depende.

Depende de quê? Depende da polícia fazer seu papel e enquadrar os covardes que surraram Greg e querem mandar na área. Depende do poder público, que pode intervir e regular corretamente o uso legal da quadra. Depende principalmente da comunidade sair da 'zona de conforto' e encontrar alternativas de participação para amparar e reforçar o Instituto, se for capaz. Ter aula de futebol de graça é legal, né? Mas que tal ajudar também quando é preciso? Eu, pessoalmente, vou me sentir péssimo se a iniciativa acabar assim, derrotada por uns poucos covardes. Mas é o que está acontecendo e, se reparar bem, é uma metáfora do Brasil em que estamos vivendo. Até quando?