Bira, o fotógrafo 'rueiro' da favela

Ubirajara Carvalho, o Bira, se denominava um fotógrafo "rueiro" e dizia que seu escritório era a esquina da Rua Principal com a Sargento Silva Nunes, na Favela Nova Holanda, Complexo da Maré. Era um cronista ímpar que escrevia com a luz o cotidiano das favelas. Ele morreu aos 51 anos de idade, no final de novembro. Aos 22 anos, ele levou um tiro que o fez ficar cadeirante e passar por depressão até conhecer a fotografia. Foi aí que ele fez seu primeiro curso em 1999, no CEASM, no Morro do Timbau.

Em 2004 foi aluno da primeira turma da Escola Popular de Fotografia, parceria do Observatório de Favelas com a Unicef, na Maré, idealizada por nomes como o patrono da escola, João Roberto Ripper, com quem declarava que aprendeu mais do que fotografia: que amar não o enfraquecia. Ele se tornou coordenador do projeto entre 2017 e 2020.

A visão da mídia sobre a favela como um lugar sub-humano e estereotipado era força motriz para registrar por meio da fotografia a vitalidade, a potência e a beleza da favela a partir da descolonização do olhar e pelas lentes de quem morava nela. Em 2019, jovens do Complexo do Alemão fizeram um filme intitulado "Descolonize o Olhar", que foi exibido na Assembléia da ONU, e falava sobre a história de Bira e do cotidiano dos moradores de favela.

"A fotografia humanista documental que aprendi fez com que eu me apaixonasse pela vida, me tirou das trevas. A luz da fotografia fez isso", disse Bira em entrevista ao Globo, em 2014. Neste mesmo ano, o Complexo da Maré foi ocupado pelo Exército e a ESPOCC (Escola Popular de Comunicação Crítica) não teve oficinas por falta de patrocínio. Sua fotografia também denunciava o racismo estrutural, a desigualdade e a violência policial.

"Minha fotografia é apenas um reflexo do amor que eu tenho por onde eu moro", disse Bira em entrevista ao Fórum Cidade, Favela e Patrimônio. Este amor deixou um acervo de cerca de 17 mil fotografias. Como diz o provérbio favelado: cria não morre, vira lenda.